Robson Maia Lins
Lucas Galvão de Britto
Pablo Gurgel Fernandes
Parece-nos improvável que alguém se lance, com afinco e rigor, ao detido exame do universo tributário e, assim fielmente laborando, tarde a constatar a distinta aptidão do Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS para suscitar numerosas, variadas e relevantes discussões judiciais. Dessa característica, proeminente nos quadrantes do tributo estadual em questão, decorre a diuturna tarefa de investigar, esquadrinhar e cotejar as mais diversas espécies de pronunciamentos jurisdicionais que os Tribunais Superiores são renovadamente instados a exarar (v.g. art. 927, incisos I a IV, do CPC/15).
A título meramente ilustrativo, tão somente a materialidade do ICMS-Mercadorias, circunscrita à realização de negócios jurídicos onerosos, operações mercantis de compra e venda com vistas à transferência da titularidade de determinado bem, como tradicionalmente proclamado pela mais abalizada doutrina, já se mostrou hábil para demandar uma reiterada fixação de interpretações, ora pelo Superior Tribunal de Justiça, ora pelo Supremo Tribunal Federal.
No entanto, ao prosseguirmos na pesquisa jurisprudencial afeta à muito particular conformação normativa da incidência do ICMS, não travamos contato apenas com processos subjetivos nos quais litigam, em polos processuais opostos, sujeitos passivos tributários e pessoas políticas. Neste particular domínio, sublinhamos que a jurisprudência pátria se edificou, e em relevante medida, para dirimir verdadeiros conflitos federativos, instaurados primordialmente entre entes tributantes, no contexto fenomenológico multifacetado que a comunidade brasileira convencionou designar “guerra fiscal”.
E para abordar tão tormentoso tema, pensamos ser de bom alvitre adotar algumas das caras virtudes diuturnamente vivificadas por Luiz Alberto Gurgel de Faria, que nacionalmente, quer na docência e literatura, quer na judicatura, defende e amplifica com orgulho a cultura jurídica nordestina, assim como primorosamente fizeram antecessores do escol de Amaro Cavalcanti, Miguel Seabra Fagundes, Múcio Vilar Ribeiro Dantas, Araken Mariz de Faria e José Augusto Delgado. Falamos especificamente: [i] da alma docente altruísta, que sobreleva a inteligibilidade e prestigia a transparência; [ii] da salutar humildade acadêmica, sem a qual impossível seria revisitar paradigmas e superar premissas anteriormente adotadas; [iii] da postura dialética, própria de quem nutre um espírito científico genuíno; e [iv] da desinibida autenticidade, à moda de Aristóteles, que buscava, antes de tudo, manter-se “amigo da verdade”.
Eis os predicados que nos inspiraram a firmar essa proposta definitória para o conceito da expressão “guerra fiscal” e prosseguir desenvolvendo reflexões críticas acerca daquelas que pensamos ser as principais causas e as mais relevantes consequências deste complexo fenômeno, até a medida do necessário para externar nossa opinião jurídica sobre a imediata glosa administrativa de créditos do estabelecimento destinatário, especificamente quando envolvem operações mercantis interestaduais precedidas de outorga unilateral de créditos presumidos pelo Estado de origem, nas hipóteses em que tal inconstitucionalidade não tenha sido previamente proclamada pelo Poder Judiciário.
2. Nossa proposta definitória para o conceito de “Guerra Fiscal”
2.1 Advertências preliminares
Aquilo que se designa costumeiramente como “guerra fiscal” não é um fenômeno recente, tampouco exclusivo da realidade jurídica nacional.Basta recordarmos das já consagradas barreiras alfandegárias de caráter tarifário na ambitude do comércio exterior, que tendem a ser progressivamente demovidas, à medida que Estados Soberanos caminham no sentido de estabelecerem, estreitarem ou fortalecerem laços de integração econômica.
Ainda para corroborar esta advertência inaugural, não podemos olvidar da existência de paraísos fiscais (“taxhavens”), como ilustram as jurisdições alienígenas com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado. No âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, inclusive, uma das diretrizes voltadas à redução de margens para implementação de planejamentos internacionais agressivos reside justamente no estabelecimento de um patamar mínimo de tributação em nível global.
A extensão do conceito de “guerra fiscal” no âmbito doméstico, por outro lado, sequer é possível resumir ao ICMS. Sob seu pálio também devemos albergar o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, notadamente quando, para além dos limites constitucionalmente deferidos, por expedientes normativos variados (p.ex. deduções de base de cálculo ou outorgas de crédito), Municípios introduzem a possibilidade de fruição de alíquota efetiva inferior ao patamar cogente de 2% (dois inteiros por cento) sobre preço praticado pelo contribuinte.
Não desconhecemos, ademais, a existência de outra “guerra fiscal” envolvendo o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. Tal constatação, anote-se, restou expressamente consignada no acórdão de mérito do paradigmático Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 1.016.605/MG. Apenas nosso recorte metodológico, na presente ocasião, é que não lhe contempla.
2.2 Denominadores comuns
Consoante já prenunciado, um primeiro denominador comum à deflagração de uma “guerra fiscal” consiste na instituição, oferta ou imposição de condições tributárias diferenciadas, frequentemente por intermédio de desonerações totais ou parciais, para os contribuintes que se instalarem ou se manterem no território da pessoa política. Com isto, o ente público objetiva aumento da arrecadação global, instalação de parques industriais, fixação de prestadores de serviços, manutenção de estabelecimentos comerciais, geração de postos de trabalho, ampliação do mercado consumidor ou circulação de riquezas, dentre outras vantagens.
Além das desonerações perpetradas diretamente na regra-matriz de incidência tributária, a “guerra fiscal” também se manifesta por outras iniciativas que produzem cenário tributário atrativo ao exercício da livre-iniciativa, amistoso à manutenção de contribuintes já estabelecidos ou protetivo do mercado interno, por meio de alterações: [a] nas searas fiscalizatória, sancionatória e contenciosa; [b] no âmbito dos ressarcimentos de créditos; [c] no quadrante dos deveres instrumentais; ou, ainda, [e] em regramentos afetos à apuração, adimplemento ou extinção da obrigação tributária principal, como exemplificam as outorgas de crédito presumido, os estornos de débitos, as anistias, as moratórias, os parcelamentos, as transações e as remissões.
Um segundo denominador comum reside na concessão dessas medidas tributárias medianteedição unilateral de expedientes normativos, não precedidos de uma heterônoma aquiescência, seja individual, coletiva ou colegiada, alçada ou não como requisito formal nomogenético de observância obrigatória pelo regime jurídico pertinente.
No que tange ao ICMS, há prescrição estruturante inaugurada pelo art. 23, § 6º, da EC 1/69, que impôs uma prévia e suficiente deliberação colegiada intergovernamental, envolvendo outros entes tributantes, em exceção ao princípio segundo o qual a pessoa política competente para tributar também o seria para unilateralmente desonerar. Sua razão de ser, registramos, foi sintetizada por José Souto Maior Borges:
Tal dispositivo representa o ponto culminante da legislação que vem disciplinando com critérios progressivamente restritivos as isenções do ICM, dadas as dificuldades de adaptação desse tributo ao sistema federal brasileiro. Dificuldades de adaptação que resultam sobretudo na circunstância de serem os impostos sobre a circulação – como já ensinava o clássico Flora – tributos federais por natureza, embora o ICM, em homenagem ao elemento histórico ou a critérios de historicidade que ainda persistiram no sistema tributário brasileiro, mesmo após a reforma tributária nacional, esteja atribuído à competência legislativa dos Estados-membros e Distrito Federal. A identificação do ICM como um imposto federal decorre de que, não obstante seja a sua hipótese de incidência um fato localizado – a circulação – os efeitos econômicos são inevitavelmente difundidos por todo o território nacional. Essa característica agrava a problemática das isenções no âmbito das operações interestaduais e mesmo das operações internas. O art. 23, §6º, da Emenda Constitucional n. 1, de 1969, é a última experiência de aperfeiçoamento das isenções à sistemática de tributação plurifásica sobre o valor acrescido, no direito brasileiro.
Essa exigência de prévia e heterônoma anuência, por outro lado, não foi assentada como requisito formal no hemisfério nomogenético do ISSQN, o que cremos se justificar, a despeito das implicações federativas de sua “guerra fiscal”, pela: [i] impraticabilidade da operacionalização de um controle ex ante com o quadro atual de 5.568 (cinco mil quinhentos e sessenta e oito) Municípios; [ii] ausência de materialidade com vocação plurifásica e intermunicipal, associada a regime denão cumulatividade; [iii] vigência de critérios limitativos à desoneração significativamente menos complexos (alíquota mínima e base de cálculo fixadas em lei complementar), se comparados àqueloutros do ICMS, a respeito do qual sequer há consenso doutrinário quanto ao parâmetro da alíquota (se interestadual ou modal); [iv] existência de repressão sancionatória severa ao ente concessor, qual seja, a cominação de nulidade que “[…] gera, para o prestador do serviço, perante o Município ou o Distrito Federal que não respeitar as disposições deste artigo, o direito à restituição do valor efetivamente pago”, nos termos do art. 8º-A, § 3º, da LC 116/2003; e, ainda, [v] tipificação, como improbidade administrativa causadora de lesão/prejuízo ao erário, do ato doloso de “conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõe o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003”, a teor do art. 10, caput e inciso XXII, da Lei 8.429/92.
2.3 A definição que ofertamos
Por tudo aquilo que assentamos até o presente instante, compreendemos a “guerra fiscal” como um fenômeno que consiste [a] na instituição, oferta ou imposição de regras tributárias diferenciadas, [b] de forma unilateral pelo titular da competência impositiva, [c] com a potencialidade de afetar interesses de outras pessoas políticas, [d] mediante positivação de um cenário jurídico-tributário atrativo ao exercício da livre-iniciativa, amistoso à manutenção de contribuintes já estabelecidos ou protetivo do mercado interno, [e] no desiderato de gerar, catalisar, avigorar ou resguardar o desenvolvimento financeiro, econômico ou social em seus domínios territoriais.
3. A “Guerra Fiscal” do ICMS: origem, causas e consequências
3.1 Uma retrospectiva
O embrião do ICMS foi concebido ainda sob a égide da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, mais precisamente por aquele documento normativo que muitos consideram como a “certidão de nascimento” do Sistema Tributário Nacional, qual seja, a EC 18/65, sem, todavia, afetar a então vigente competência da União para decretar impostos sobre produção, comércio, distribuição, consumo, importação e exportação de “[…] lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se esse regime, no que fôr aplicável, aos minerais do país e à energia elétrica” (art. 15, inciso III).
Até então, o que vigorava, em termos análogos, era o Imposto sobre Vendas e Consignações – IVC, instituído pela União por intermédio da Lei Orçamentária 4.625/22 e regulamentado pelo Decreto 16.041/23, ainda sob o pálio da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Somente através do art. 8º, inciso I, alínea “e”, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, a competência do IVC fora transferida aos Estados e, em seguida, mantida pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 (art. 23, inciso I, alínea “d”), mas com temperamento, como evidencia a proibição de “tributar, direta ou indiretamente, a produção e o comércio, inclusive a distribuição e a exportação de carvão mineral nacional e dos combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem” (alínea “d” do art. 35, incluída pela Lei Constitucional nº 3, de 1940).
Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, a União manteve suas competências tributárias sobre “produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos” (art. 22, inciso VIII), “produção, importação, distribuição ou consumo de energia elétrica” (art. 22, inciso IX) e “extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais no País” (art. 22, inciso X), reservando-se aos Estados e ao Distrito Federal a decretação de impostos sobre as demais “operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes”, nos termos do art. 24, inciso II, com redação dada pelo Ato Complementar 40, de 1968.
Por obra da EC 1/69, mais precisamente em seu art. 23, § 6º, introduziu-se a seguinte prescrição estrutural: “As isenções do impôstosôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar”, centralizando o Poder de criar regimes diferençados entre Estados e DF.
Na contextura da ordem constitucional pretérita, que também preceituava a uniformidade das alíquotas do então Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias – ICM “para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais, bem como nas interestaduais realizadas com consumidor final” (art. 23, § 5º, in fine), veio a lume a LC 24/75, cujos arts. 1º, 2º e 10 importam-nos, de plano, transcrever:
Art. 1º. As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:
I – à redução da base de cálculo;
II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III – à concessão de créditos presumidos;
IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.
Art. 2º. Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.
§ 1º. As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação.
§ 2º. A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
§ 3º. Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União.
[…]
Art. 10. Os convênios definirão as condições gerais em que se poderão conceder, unilateralmente, anistia, remissão, transação, moratória, parcelamento de débitos fiscais e ampliação do prazo de recolhimento do imposto de circulação de mercadorias.
Originalmente, portanto, os convênios foram concebidos pelo Constituinte com caráter verdadeiramente impositivo no tocante às isenções do então ICM. Tais medidas desonerativas, naquela realidade jurídica, eram “concedidas ou revogadas nos termos fixados em convênios”, peculiaridade que justificava o requisito da unanimidade.
Noutra senda, quando se tratava de “anistia, remissão, transação, moratória, parcelamento de débitos fiscais e ampliação do prazo de recolhimento”, o instrumento introdutor convênio daria suporte a prescrições com feição preponderantemente autorizativa. Neste particular âmbito, específico e pontual, é que seu papel se limitava à definição de condições gerais para o ulterior e eventual deferimento de concessões unilaterais por parte dos Estados e do DF.
Seguindo claramente a filosofia de sobrelevar a autonomia das pessoas políticas de direito público doméstico, o Constituinte de 1988 cambiou a tônica dos convênios de ICMS celebrados no âmbito do CONFAZ. Na atual conformação do direito posto, por isso mesmo, a unanimidade alcançada pelos entes federados passou a não mais impor uma inexorável concessão de incentivos ou benefícios fiscais, endereçada indistintamente para todas as ordens jurídicas estaduais correlatas, como evidencia a mensagem deôntica do art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da CRFB/88.
Ao conferir maior relevância à enunciação do direito em nível estadual, todavia, potencializou-se a possibilidade de criação ou remodelamento unilateral de incentivos e benefícios fiscais de ICMS, em burla à regra da heterônoma e colegiada aquiescência, no atual domínio do CONFAZ. Cônscios desse panorama e aspirando, dentre outros objetivos, pôr termo ao cenário de guerra fiscal que ora investigamos, dois projetos ganharam destaque no ambiente de discussões e reflexões em prol da introdução de uma “reforma tributária”.
O primeiro deles, representado na PEC 45/2019, apregoa uma (re)centralização das competências legislativas tributárias sobre o consumo na União, mediante drástica redução dos focos ejetores de normas, cumulada com uma expressa e severa vedação à instituição de incentivos e benefícios fiscais de caráter desonerativo, nos moldes em que atualmente experimentamos. Contudo, precisamente por isto, aniquila possibilidades de os legisladores estaduais e distrital lançarem mão de políticas tributárias sensíveis às necessidades, atentas às peculiaridades e adaptadas às desigualdades regionais, tão presentes nesta nação de dimensões continentais.
O segundo deles, a seu turno, representado na PEC 233/2008, defendeu uma tributação acentuadamente pautada pelo critério do destino. Cuida-se, entretanto, de mais uma proposta apregoadora de drástica mudança estrutural, sem os temperamentos que o princípio da isonomia das pessoas políticas de direito constitucional reclama, mormente quando atentamos às inescondíveis diferenças socioeconômicas entre entes estaduais, com variados níveis de produção, volumes de comercialização e mercados de consumo.
Em nossa óptica, é impossível analisar problemas complexos e propor soluções adequadas sem, antes, partir de uma perspectiva jurídica, esquadrinhar suas multifacetadas causas e refletir com lucidez acerca das principais consequências envolvidas.
3.2 Reflexões sobre causas e consequências jurídicas
A raiz primeira da guerra fiscal doméstica, pensamos, reside no descompasso entre a pródiga atribuição de deveres estatais, a exemplo dos direitos fundamentais de status positivus, – e uma comedida discriminação constitucional de rendas aos entes estaduais e municipais, própria do desenvolvimento centrífugo de um modelo federativo, com movimentos lentos e parcimoniosos, em direção ao abandono da estrutura profundamente centralizadora que presidiu nossa colonização, jamais temperada por uma “negligência salutar” nos moldes traçados na América do Norte.
Esse acentuado desequilíbrio, que põe em xeque a proclamada autonomia das pessoas políticas de direito constitucional (art. 18, caput, da CRFB/88 ), é marcado pela módica outorga de fontes autônomas e privativas de recursos aos entes federados estaduais e municipais, sobretudo no campo das receitas derivadas tributárias, protagonistas que são das finanças públicas contemporâneas.
Não bastasse o desafio de concretizar, em termos materiais, uma forma federativa de Estado – apesar de uma “deficiente distribuição das rendas tributárias”, para utilizar as ainda atuais palavras de Afonso Arinos de Melo Franco –, importa destacar que lidamos com um País de inequívoca dimensão continental e permeado, como era de se esperar, por ingentes desigualdades regionais. Isto porque, atento a essa realidade socioeconômica, o Constituinte de 1988 alçou o dever de redução das distorções regionais à categoria de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3º, inciso III, da CRFB/88) e, mais adiante, ainda reconheceu a vocação de medidas tributárias para concretizar este fim (v.g. arts. 43, § 2º, inciso III, e 151, inciso I, da CRFB/88).
A possibilidade de redução das desigualdades regionais por intermédio da tributação, inclusive, foi objeto de relevante pesquisa doutoral encampada pelo ilustre homenageado e serviu de parâmetro para o STF, em um passado ainda recente, dirimir sensível controvérsia envolvendo o creditamento de IPI na aquisição direta de insumos oriundos da Zona Franca de Manaus, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 592.891/SP, cuja ementa érelevantereplicar:
TRIBUTÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. CREDITAMENTO NA AQUISIÇÃO DIRETA DE INSUMOS PROVENIENTES DA ZONA FRANCA DE MANAUS. ARTIGOS 40, 92 E 92-A DO ADCT. CONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 3º, 43, § 2º, III, 151, I E 170, I E VII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE DA REGRA CONTIDA NO ARTIGO 153, § 3º, II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL À ESPÉCIE.
O fato de os produtos serem oriundos da Zona Franca de Manaus reveste-se de particularidade suficiente a distinguir o presente feito dos anteriores julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o creditamento do IPI quando em jogo medidas desonerativas.
O tratamento constitucional conferido aos incentivos fiscais direcionados para sub-região de Manaus é especialíssimo. A isenção do IPI em prol do desenvolvimento da região é de interesse da federação como um todo, pois este desenvolvimento é, na verdade, da nação brasileira. A peculiaridade desta sistemática reclama exegese teleológica, de modo a assegurar a concretização da finalidade pretendida.
Àluz do postulado da razoabilidade, a regra da nãocumulatividade esculpida no artigo 153, § 3º, II da Constituição, se compreendida comouma exigência de crédito presumido para creditamento diante de toda e qualquer isenção, cede espaço para a realização da igualdade, do pacto federativo, dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e da soberania nacional.
Recurso Extraordinário desprovido.
Conquanto, indiscutivelmente, o principal tributo de alçada estadual seja o ICMS, a história nos mostrou quão desafiadora é a concepção de políticas fiscais em sua órbita, principalmente pela manutenção de uma barreira formal sequer exigida para aprovar emendas constitucionais, súmulas vinculantes, modulações de efeito no âmbito da jurisdição constitucional e leis complementares nacionais. Fazemos específica referência à exigência de unanimidade no âmbito do CONFAZ, prescrita pelo art. 2º, § 2º, da LC 24/75.
O requisito da unanimidade, nas últimas décadas, ocasionou animosidades políticas, acirrou conflitos entre entes federativos, dificultou o estabelecimento de relações de cooperação entre os Estados e, por sem dúvida, inspirou a proliferação de políticas tributárias unilaterais, nem sempre transparentes e racionais. Não por acaso, Paulo de Barros Carvalho defendeu a redução do quórum de aprovação do CONFAZ para 2/3 (dois terços), em ordem a viabilizar o desenvolvimento de Estados menos favorecidos, concretizando o objetivo fundamental de redução das desigualdades regionais.
Nem de longe, porém, a guerra fiscal do ICMS teria apresentado a mesma magnitude das últimasdécadas,nãofosse a combinação dastrês causas anteriormente resumidas ao fato de carecermos de instrumentos jurídicos satisfatoriamente racionais e de procedimentos normativos suficientemente criteriosos para subsidiar a elaboração, a concessão, o aperfeiçoamento, o controle e a revisão de políticas tributárias direta ou indiretamente desonerativas. Faltam-nos critérios legais aos controles ex ante e ex post de eficiência fiscal e extrafiscal, no afã de projetar, estimar e aferir seus reais benefícios financeiros, sociais e/ou econômicos, acompanhar progressos, calcular resultados, identificar eventuais distorções e sustar desvios de finalidade.
De toda sorte, eficientes ou não, se cotejados com os fins pretendidos, os incentivos e benefícios fiscais influenciam nas tomadas de decisão de agentes econômicos, notadamente afetas à instalação de estabelecimentos, ao desenvolvimento de atividades, à manutenção de negócios e à criação ou extinção de postos de trabalho.
E indo além, ao cabo da presente seção, sentimos a necessidade de expressar nossa crença segundo a qual a frequência e a extensão dos episódios de guerra fiscal jamais ostentariam similares repercussões caso não vigorasse o princípio constitucional da não cumulatividade, a ser observado com igual imperatividade nas operações ou prestações interestaduais tributáveis pelo ICMS. É precisamente neste quadrante que residem as maiores controvérsias jurídico-tributárias, como doravante aprofundaremos.
4. A imediata glosa de créditos por outra unidade federativa: proclamação de inconstitucionalidade administrativa?
4.1. O caráter essencialmente constitucional da não cumulatividade do ICMS
Bem sabemos que o princípio da não cumulatividade, em sua conformação atual, orbita no altiplano constitucional. Por decisão política consciente, legítima e fundamental, o Constituinte lhe preordenou como indeclinável limite objetivo à tributação, relativamente ao exercício de cinco pontuais competências tributárias (cf.arts. 153, § 3º, inciso II, 154, inciso I, 155, § 2º, inciso I, 195, §§4º e 12, da CRFB/88).
Muito embora não neguemos a necessidade de adaptações em seus contornos, a fim de conformá-lo à apuração de tributos com materialidades distintas, a interpretação sistemática dos sobreditos dispositivos nos leva a concluir pela existência de um núcleo partilhado pelas imposições sobre o consumo, que ordena a adoção de operações matemáticas aptas a evitarem o fenômeno econômico da “tributação em cascata”. Noutros dizeres, cuida-se de mandamento constitucional dotado de forte conotação axiológica, cunhado com o fim de obstar a superposição de cargas tributárias, mediante compensação daquilo “que for devido” com o “montante cobrado” anteriormente.
Acentuando o patamar hierarquicamente superior impresso ao princípio da não cumulatividade, no próprio bloco de constitucionalidade foram insertas duas únicas hipóteses limitadoras do direito ao crédito, adstritas ao ICMS. A saber, a “isenção” e a “não incidência”, mas, ainda assim, com a ressalva do possível advento de determinação legal em sentido contrário, ex vi do art. 155, § 2º, inciso II, alíneas “a” e “b”, da CRFB/88.
Assim não fosse, sequer vigorariam no corpo redacional da CRFB/88: [i] uma estrita outorga competencial ao legislador complementar para disciplinar, em termos adjetivos ou instrumentais, a concretização do “regime de compensação do imposto” (art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “c”); e [ii] uma ampla margem acometida ao legislador complementar para assegurar a manutenção do direito ao crédito “relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias” (art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “f”).
Partindo desta conformação constitucional, duas relevantes consequências jurídicas podemos afirmar. Primeiramente, por cuidarmos de nobre imperativo, promotor do ideal de neutralidade fiscal, o rol de limitações há pouco replicado somente poderá ser considerado como cerrado (exaustivo, numerusclausus), e as correlatas hipóteses haverão de ser interpretadas restritivamente. Em segundo lugar, na qualidade de decisão política expressa do próprio Constituinte, por óbvio que os focos introdutores de normas no âmbito infraconstitucional (sejam legislativos, executivos, judiciais ou particulares) jamais poderão inserir prescrições adicionalmente limitadoras, sem, com isto, burlar o caráter rígido de nossa Lex Legum.
Como, então, tratar da aplicabilidade do princípio da não cumulatividade em operações ou prestações interestaduais tributáveis em um ambiente de guerra fiscal? Cuida-se de indagação central, sobretudo quando atentamos ao teor do art. 155, § 2º, inciso I, da CRFB/88, que assim estatui para o ICMS: “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
4.2. O mecanismo da imediata glosa de créditos, pela Administração Tributária, no campo da “Guerra Fiscal”
Um ilustrativo capítulo, ainda relativamente recente, foi a “guerra dos portos”, sintetizada com didatismo por Luciano Garcia Miguel:
Uma das modalidades mais comuns é a concessão de benefício fiscal (ou benefícios financeiros, que se transmudam em benefícios fiscais) concedido pelo Estado onde está situado o importador, combinado com a importação por conta e ordem de terceiros, estando o adquirente situado em outra unidade da Federação.
De acordo com estudos efetuados pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, esses benefícios são estruturados da seguinte forma:
(i) o importador está situado em unidade federada que concede benefícios fiscais para operação de importação;
(ii) a mercadoria é desembaraçada pelo importador no porto do Estado em que está situado ou no do Estado em que está estabelecido o adquirente;
(iii) nas duas hipóteses, não há ingresso físico da mercadoria no estabelecimento do importador (em alguns casos, o importador faz o ingresso da mercadoria importada em armazém-geral);
(iv) caso a desoneração não seja integral, o importador recolhe o imposto devido ao Estado em que está localizado;
(v) em seguida, o importador envia a mercadoria importada ao adquirente situado no outro Estado, destacando o ICMS devido na operação interestadual;
(vi) o imposto devido ao Estado de origem também não é recolhido integralmente, uma vez que também há benefício fiscal concedido para essa operação;
(vii) o adquirente, ao dar entrada da mercadoria em seu estabelecimento, escritura a totalidade do imposto destacado na nota fiscal, embora não tenha sido este o valor que foi efetivamente recolhido pelo importador.
Visando a compensar quadros como esse ilustrado, o Senado Federal editou a polêmica Resolução 13/2012, cuja constitucionalidade restou afirmada pelo STF ao julgar a ADI nº 4.858/DF. Nãosóo Poder legislativo Federal, porém, mobilizou-se com pretensões de obstaculizar episódios de guerra fiscal, contrapô-los, neutralizá-los ou reparar seus efeitos. Exemplifiquemos com a previsão atualmente inserta no art. 36, § 3º, da Lei Paulista 6.374/89:
Artigo 36. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é não cumulativo, compensando-se o imposto que seja devido em cada operação ou prestação com o anteriormente cobrado por este, outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativamente a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco.
[…]
§ 3°. Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal.
Com o afirmado intuito de elucidar tal disposição legal, a Coordenação da Administração Tributária do Estado de São Paulo editou o Comunicado 36, de 29 de julho de 2004, dando a conhecer os seguintes esclarecimentos:
1 – o crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, correspondente à entrada de mercadoria remetida ou de serviço prestado a estabelecimento localizado em território paulista, por estabelecimento localizado em outra unidade federada que se beneficie com incentivos fiscais indicados nos Anexos I e II deste comunicado, somente será admitido até o montante em que o imposto tenha sido efetivamente cobrado pela unidade federada de origem;
2 – o crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de mercadoria ou recebimento de serviço com origem em outra unidade federada somente será admitido ou deduzido, na conformidade do disposto no item 1, ainda que as operações ou prestações estejam beneficiadas por incentivos decorrentes de atos normativos não listados expressamente nos Anexos I e II.
Para alguns, tais medidas foram consideradas como meros desdobramentos do art. 8º, inciso I, da LC 24/75, que comina, para os casos de inobservância da prévia deliberação no âmbito do CONFAZ, “a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria”.
Parcela da doutrina, noutra senda, passou a chamar atenção para a necessidade de traçar distinções sistemáticas e, assim, mitigar as possibilidades de glosa imediata, por parte da Administração Tributária, de créditos fiscais escriturados pelo destinatário da mercadoria, como representa a pena coautoral do homenageado, em ponderada manifestação científica:
Nos casos em que a operação predecessora é atingida por incentivo correspondente à isenção total ou parcial, seja por redução de alíquota ou base de cálculo, se o Estado de destino procede à glosa proporcional ao benefício, estará nada mais do que observando a imposição geral do art. 155, § 2º, II, da CRFB/88. Ainda que o referido benefício seja unilateral, não será caso de retaliação, mas de verdadeira presunção de constitucionalidade da lei que o institui, já que aplicado igual tratamento como se benefício conveniado fosse.
[…]
Por outro lado, se houve incidência do ICMS na operação anterior com isenção parcial unilateral e a invalidação dos créditos for acima do valor do benefício, ou se o incentivo sem convênio for qualquer outro benefício fiscal, como remissão, créditos presumidos, anistia, diferimento, parcelamento, ou, ainda, financeiro, e o Estado de destino fizer qualquer vedação aos créditos, será um caso de glosa de créditos aqui estudadas, nos termos do art. 8º, I, da LC nº 24/75, hipóteses que fogem ao disposto no art. 155, §2º, II, da CRFB/88.
Até bem pouco tempo, inclusive, a jurisprudência do STJ havia sido firmada, e com solidez, pela inaplicabilidade, tout court, do art. 8º, inciso I, da LC 24/75, principalmente em casos relativos à concessão unilateral de crédito presumido de ICMS por outro ente tributante, sob os fundamentos de que: [a] a ordem jurídica brasileira somente prevê restrições ao direito de crédito “quando há isenção ou não tributação na entrada ou na saída, o que deve ser interpretado restritivamente”; [b] a Ação Direta de Inconstitucionalidade se apresenta como a única via lícita da qual poderá se valer “o Estado lesado para obter a declaração de inconstitucionalidade da lei de outro Estado que concede benefício fiscal do ICMS sem autorização do Confaz”, sendo-lhe defeso “simplesmente autuar os contribuinte sediados em seu território”; [c] a guerra fiscal pode se apresentar como “um mecanismo legítimo dos Estados periféricos do capitalismo brasileiro, para tornar atraentes as operações econômicas com as empresas situadas em seus territórios”; [d] descabe ao “Estado de destino exigir do contribuinte a parte do ICMS que deixou de ser recolhido ao Estado de origem em virtude da fruição de benefício fiscal não previamente autorizado pelo Confaz”; e, portanto, [e] nas classes de situações em que a política fiscal concedida “não importa isenção ou não incidência, o contribuinte faz jus ao crédito integral do ICMS devido junto ao estado de origem, e eventual impasse federativo deve ser solucionado em ação própria perante a Suprema Corte”.
No início da presente década, contudo, dois julgados da nossa Corte Suprema conferiram novos contornos ao panorama jurisprudencial, agregando complexidade aos cálculos normativos dos contribuintes de ICMS que realizam operações mercantis interestaduais.
Em primeiro lugar, fazemos referência ao desfecho de mérito dado, por maioria, à ADI nº 3.692/SP, que reputou constitucional o § 3º do art. 36 da Lei 6.374/89 do Estado de São Paulo, pautando-se na premissa segundo a qual não ocorrera inovação no disciplinamento jurídico da matéria, mas tão somente cominação baseada em “consequências previstas na lei complementar nacional”, qual seja, “a desconsideração do montante do imposto que corresponder à vantagem econômica decorrente da concessão de benefício fiscal em desacordo com a al. g. do inc. XII do § 2º do art. 155 da Constituição da República”.
Em segundo lugar, aludimos ao Recurso Extraordinário nº 628.075/RS, cujo acórdão de mérito, no essencial, fixou a seguinte tese para o Tema de Repercussão Geral nº 490: “O estorno proporcional de crédito de ICMS efetuado pelo Estado de destino, em razão de crédito fiscal presumido concedido pelo Estado de origem sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), não viola o princípio constitucional da não cumulatividade.”
Ao longo do voto vencedor, o Ministro Gilmar Mendes fez questão de registrar que: [i] a questão principal não estaria “relacionada ao fato de o crédito presumido ter sido concedido sem autorização do CONFAZ, mas sim porque o ICMS não fora efetivamente cobrado”; e, por isso mesmo, [ii] a discussão se resolveria “pela aplicação do princípio constitucional da não cumulatividade, com os contornos já conferidos por esta Suprema Corte”.
De todo modo, porém, o eminente relator sublinhou não se tratar de “constitucionalidade ou inconstitucionalidade flagrante” e ponderou a existência de “argumentos igualmente consistentes para declaração de inconstitucionalidade da legislação objeto da presente ação”, motivo pelo qual, somente quando de seu julgamento, estar-se-ia confirmando “o estorno proporcional de crédito de ICMS em razão de crédito fiscal presumido concedido por outro Estado”. Por tais razões, propôs modulação de efeitos, acolhida com caráter prospectivo (ex nunc), ressalvados apenas “os efeitos jurídicos das relações tributárias já constituídas”.
Então, diante do panorama posto, para firmarmos uma convicção crítica e fundamentada acerca do expediente da glosa imediata e unilateral de créditos, por parte das Administrações Tributárias Estadual e Distrital, envolvendo cadeias com operações interestaduais, imprescindível se faz traçar uma distinção entre: [a] a extensão da eficácia técnica do art. 155, § 2º, inciso I, da CRFB/88, para fins de não cumulatividade; e [b] a compatibilidade do art. 8º, incisos I, da LC 24/75, com a ordem constitucional em vigor.
4.3. A eficácia técnica do art. 155, § 2º, inciso I, da CRFB/88
A despeito de existirem respeitáveis vozes em sentido contrário, consideramos que o art. 155, § 2º, inciso I, da CRFB/88 veiculou prescrição autoaplicável (self-executingnorm), prescindindo de qualquer sorte de interposição legislativa infraconstitucional para reger as apurações do ICMS. Não por acaso, logo em seguida, o próprio Constituinte cuidou de preceituar que a isenção ou a não incidência, na ausência de determinação legal em contrário, per se, [i] obsta o creditamento “para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes” (art. 155, § 2º, inciso II, alínea “a”, da CRB/88); e [ii] acarreta a “anulação do crédito relativo às operações anteriores” (art. 155, § 2º, inciso II, alínea “b”, da CRFB/88).
Recentemente, no entanto, ao julgar o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 601.967/RS, afeto ao Tema nº 346 (“reserva de norma constitucional para dispor sobre direito à compensação de crédito do ICMS”), nossa Corte Constitucional ponderou que “embora a Constituição Federal tenha sido expressa sobre o direito de os contribuintes compensarem créditos decorrentes de ICMS, também conferiu às leis complementares a disciplina da questão”, razão pela qual “o contribuinte apenas poderá usufruir dos créditos de ICMS quando houver autorização da legislação complementar”.
Para aqueles que apregoam o protagonismo constitucional neste jaez, como nós, buscarão compreender o surgimento do direito ao crédito a partir da definição dos sentidos normativos das expressões “devido em cada operação” e “montante cobrado nas anteriores”, utilizadas pelo Constituinte no art. 155, § 2º, inciso I, da CRFB/88, quando preceituou que o ICMS: “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
Devemos advertir, de plano, que o conceito de “cobrado” em nada guarda equivalência semântica com as significações de base dos termos “pago” ou “recolhido”. Ao longo do texto constitucional, em variadas passagens afetas à própria conformação do sistema tributário, quando assim pretendeu, o Constituinte deles utilizou-se conscientemente para aludir à conduta de destinar recursos financeiros ou ativos equiparados em favor de outrem. Logo, fosse a existência de efetiva satisfação do credor tributário conditio sinequa non para fins de creditamento do contribuinte adquirente/destinatário, o inadimplemento da obrigação tributária principal pelo vendedor/remetente, em caráter transitório ou perene, haveria de ladear a “isenção ou não incidência”, como hipótese adicionalmente restritiva, para fins do art. 155, § 2º, inciso II, da CRFB/88, alhures comentado.
Ademais, se o escopo precípuo da não cumulatividade é o de interditar a cumulação do ônus tributário no preço da mercadoria ou serviço, importa-nos simplesmente atentar à presença do fenômeno da repercussão econômica do tributo, juridicamente presumido no hemisfério ICMS (cf. art. 166 do CTN c/c art. 13, §1º, inciso I, da Lei Kandir e art. 155, §2º, inciso XII, alínea “i”, da CRFB/88), que independe da adimplência do contribuinte alienante ou prestador. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, “se ocorreu o fato imponível do tributo, surge, ipso facto, o direito à compensação, independentemente de sua cobrança ou pagamento”.
A rigor, aliás, as atividades de escrituração contábil, apuração fiscal, lançamento tributário, compensação e eventual recolhimento ou pagamento são lógica e cronologicamente subsequentes à realização do negócio jurídico oneroso que atrai a incidência do ICMS, motivo pelo qual haveremos de interpretar “montante cobrado nas anteriores” como sinônimo de “valor cobrável”, “imposto devido”, “tributo passível de incidir” pelo lançamento tributário ou por atividade nomogenética equiparada (v.g. art. 150 do CTN c/c a súmula 436 do STJ).
Ultimado determinado período de apuração, ainda não poderemos negar a possibilidade de liquidação parcial ou total da obrigação por intermédio da compensação com crédito próprio do contribuinte remetente, na qualidade de verdadeira moeda escritural, em nada confundível com o “pagamento em dinheiro”, nos elucidativos termos do art. 24 da LC 87/96. E justamente em virtude da contingência de omissões do comerciante que a Administração Tributária – e somente ela, com foros de privatividade – dispõe de prazos, competências, procedimentos, prerrogativas e instrumentos próprios para apurar, impor, perseguir e ver efetivado seu direito subjetivo.
Por outro lado, mesmo seguindo a senda daqueles que superestimam o papel da lei complementar na matéria, não construiríamos conclusão diversa, principalmente em decorrência do teor prescritivo do art. 23 da LC 87/96:
Art. 23. O direito de crédito, para efeito de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação.
Parágrafo único. O direito de utilizar o crédito extingue-se depois de decorridos cinco anos contados da data de emissão do documento.
Ao interpretá-lo, podemos concluir como André Mendes Moreira e Roque Antonio Carrazza, no sentido de não exigir do contribuinte destinatário da mercadoria ou do serviço nada além da existência de documentação fiscal idônea, para fins do “direito de crédito”.
Acerca do nascimento e da preservação do direito ao creditamento, acresça-se, a Corte Cidadã sedimentou interpretação de observância obrigatória (art. 927, inciso III, do CPC/15), por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.148.444/MG, ao cabo do qual a Primeira Seção, conduzida pelo voto do relator, então Ministro Luiz Fux, firmou a seguinte tese para o Tema Repetitivo nº 272:
O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação.
Para tanto, dentre outras razões de decidir do derradeiro Leading case (REsp nº 1.148.444/MG), consignou-se que o dever do destinatário contribuinte de boa-fé exaurir-se-ia “na exigência, no momento da celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à assunção da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade incumbe ao Fisco”.
Por tudo, no plano da não cumulatividade tributária, é indesviável laborar com a distinção entre a regra-matriz de incidência tributária e a regra-matriz do direito ao crédito, como precisamente leciona Paulo de Barros Carvalho:
Para tornar efetivo o princípio da não-cumulatividade, conduzindo a tributação aos valores que pretende realizar, exige-se, em cada elo da cadeia de circulação, a compensação entre a relação do direito ao crédito (nascida com a entrada do produto) e a relação jurídica tributária (que surge com a saída da mercadoria).
Estão aí presentes, portanto, dois momentos distintos, duas situações diversas que dão origem a duas consequências diferentes: dois antecedentes e dois consequentes, enfim duas normas jurídicas, incidindo sobre fatos jurídicos independentes (embora participantes de uma mesma cadeia de circulação de mercadoria) e impondo comportamentos específicos, no seio de relações jurídicas igualmente distintas.
Ao lume dessa premissa, quando lidamos com o crédito presumido, jamais verificaremos impactos sobre critérios da regra-matriz de incidência tributária. Nenhuma mutilação normativa, própria da fenomenologia das isenções, far-se-á presente. A endonorma tributária preservará sua compostura ordinária e permanecerá integralmente aplicável, em coexistência com a norma prescritora do creditamento, propiciando a individualização do montante devido, a ser “liquidado” por compensação e/ou prestação em pecúnia, segundo as disposições expletivas do art. 24 da Lei Kandir. A priori, assim, os créditos outorgados também são empregados para satisfazer, em termos jurídicos, o credor tributário.
Desconsiderando a hipótese em que o contribuinte destinatário da operação mercantil não se encontra acobertado pela boa-fé objetiva, somente poderá sofrer glosa da unidade federativa de destino em seu desfavor, relativamente à proporção do crédito presumido usufruído pelo contribuinte vendedor, em duas únicas classes de situações: [a] equiparação à “isenção” ou “não incidência”, para fins do art. 155, § 2º, inciso II, alínea “a”, da CRFB/88; ou [b] proclamação de nulidade do incentivo ou benefício fiscal.
A primeira das possibilidades, pensamos, deve ser de imediato refutada, e não apenas pela comezinha lição hermenêutica que prega o dever de interpretação cerrada de disposições restritivas de direito.
Mediante interpretação sistemática da CRFB/88, seremos conduzidos à constatação de “silêncio eloquente”, da omissão intencional a respeito da outorga de créditos presumidos. Isto porque, [i] ao preceituar a obrigatória observância da legalidade na concessão de desonerações tributárias, o Constituinte cuidou de denotar categorias inconfundíveis: “subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão” (§ 6º do art. 150); e [ii] ao estatuir a necessidade de uma prévia e heterônoma deliberação dos Estados e do Distrito Federal, em respeito ao pacto federativo, fê-lo com tônica ampla, no tocante à concessão ou revogação de “isenções, incentivos e benefícios fiscais”.
Não podemos, é certo, olvidar de pronunciamentos dos Tribunais Superiores, existentes e publicizados no sentido de afirmar que reduções base de cálculo corresponderiam à espécie de isenção parcial, para fins do art. 155, § 2º, inciso II, da CRFB/88. Sucede, todavia, que tais medidas de política fiscal são imediatamente desonerativas e atuam diretamente sobre o critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, ao passo que a outorga de crédito presumido é prescrita por norma autônoma, inconfundível com a norma tributária em sentido estrito.
Geralmente, lança-se mão da política fiscal em exame no desiderato de incrementar o creditamento do contribuinte. Mas, a depender do caso concreto, por vezes a implementação dos créditos outorgados findará não passando de medida operativamente simplificadora, despida de efetivo ou relevante benefício financeiro, em substituição ao regime ordinariamente predisposto à apuração não cumulativa.
De toda sorte, ainda que a tese fixada para o Tema nº 490 da Repercussão Geral do STF venha a lograr ingente aplicação judicial – e, por dever de coerência, estendendo-se inclusive ao trato dos créditos outorgados conveniados, precedidos de aquiescência do CONFAZ –, ao menos duas distinções legítimas, porquanto excepcionais, deverão ser traçadas. A primeira, quanto à necessidade de prova pericial contábil, com vistas a aferir a existência de efetivo benefício, assim como sua proporção, nas hipóteses em que a outorga de créditos presumidos se desenhou eminentemente em substituição ao regime ordinário de apuração não cumulativa. A segunda, no que atine a casos que envolvam a Zona Franca de Manaus, já reconhecidos por nossa Suprema Corte como particulares e especialíssimos, por envolverem “interesse da federação como um todo, […] da nação brasileira” (RE com RG nº 592.891/SP).
Alfim, quer pela impossibilidade jurídica de equiparação dos institutos “isenção” e “crédito presumido”, quer pela necessidade de temperamentos em sua aplicação, devemos examinar a hipótese de proclamação de nulidade do incentivo ou benefício de ICMS concedido unilateralmente pelo ente tributante de origem, no cenário de uma operação mercantil interestadual.
4.4 A (in)aplicabilidade do art. 8º, inciso I, da LC 24/75
Nos termos do art. 8º da LC 24/75, a inobservância da regra da unanimidade no CONFAZ, quando voltada à concessão de incentivos ou benefícios fiscais, acarretará, cumulativamente, “a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria” (inciso I), bem como “a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda a remissão do débito correspondente” (inciso II).
Para a classe de situações ora examinada, salientamos, uma primeira leitura das prescrições supratranscritas poderá conduzir à apressada compreensão de que suas consequências jurídicas foram projetadas ao crédito presumido concedido pela unidade federada de origem, na medida efetivamente utilizada pelo contribuinte vendedor, mediante compensação, para “liquidar” o ICMS na saída, na acepção do art. 24 da LC 87/96.
Se assim o for, o estorno do montante compensado ocasionaria cobrança pecuniária em igual proporção, mantendo-se o fato implicativo do direito ao crédito do adquirente contribuinte, destinatário jurídico da mercadoria. E considerando, por ora, estritamente o campo das possibilidades extrajudiciais, a única ressalva seria a hipótese de remissão, igualmente afeta à regra do convênio intergovernamental, porém inconfundível com as categorias jurídico-tributárias da isenção, da minoração de alíquota, da redução de base de cálculo e do crédito outorgado.
A atenta exegese dos dispositivos em comento, por outro lado, possibilitará concluir pela referência àparcela do ICMS repassada no preço da operação mercantil, com a qual o contribuinte adquirente arcou e, por isto mesmo, escriturou na conta gráfica de seu estabelecimento destinatário. Todavia, nesta segunda interpretação possível, o ato normativo da unidade federada de origem permaneceria válida e vigente, preservando-se hígidas, outrossim, as escriturações e apurações de ICMS do remetente.
Então, na perspectiva do contribuinte adquirente, o ente político de destino estaria, por vias transversas, instaurando alíquota interestadual diversa daquela fixada privativamente pelo Senado Federal (art. 155, § 2º, inciso IV, da CRFB/88) e estabelecendo diferenciação tributária em razão da procedência do bem (art. 152 da CRFB/88), em exclusivo prejuízo de pessoa diversa daquela que instituiu, titularizou ou usufruiu de qualquer medida política de incentivo ou benefício fiscal à míngua de prévia autorização do CONFAZ.
Ocorre que o caput do art. 8º estatui, como hipótese de incidência, “a inobservância dos dispositivos desta lei”, qual seja, a LC 24/75, que disciplina uma exigência constitucional de índole formal já reiteradamente mencionada e comentada, a prévia deliberação intergovernamental pelo atual CONFAZ. Entretanto, justamente por sua inobservância ser, pura e simplesmente, uma inconstitucionalidade, a proclamação do vício nomogenético exorbita da alçada da Administração Tributária.
Ao chefe do respectivo Poder Executivo Estadual ou Distrital, o Constituinte nada conferiu além da legitimidade ativa para propor ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade (cf. art. 103, inciso V, da CRFB/88), amplificando o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/88), sem margens deixar para a instauração de “juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, inciso XXXVII, da CRFB/88) no continente do controle de constitucionalidade.
Ébem verdade que, nos idos de 1963, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula nº 347, para positivar o seguinte verbete jurisprudencial: “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. No entanto, basta atentar à coordenada temporal para concluir que, à época, sequer existia um subsistema de fiscalização abstrata da constitucionalidade, introduzido pela EC 16/1965 e atualmente em vigor com ampliado rol de legitimados, franqueando a submissão de toda e qualquer controvérsia constitucional relevante.
Sob a égide da atual Carta Constitucional, então, a jurisprudência do STF passou a reconhecer o caráter excepcional da declaração de inconstitucionalidade, “concedida somente aos órgãos exercentes de função jurisdicional, aceita pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes na separação dos poderes e não extensível a qualquer outro órgão administrativo”, entendimento este aplicado não apenas para balizar a competência do Tribunal de Contas da União, mas até mesmo como razão delimitadora da alçada do Conselho Nacional de Justiça.
Tomando-se em consideração que, para casos de guerra fiscal do ICMS, inexiste previsão sancionatória severamente cominada em detrimento do ente tributante que ilicitamente concedeu incentivo ou benefício fiscal, quer para deferir ao contribuinte o direito à restituição do valor remanescente efetivamente pago (a exemplo do que se impõe no âmbito do ISSQN, ex vi do art. 8º-A, § 3º, da LC 116/2003), quer para proibir o sujeito ativo tributário de cobrar posteriormente qualquer outro montante, a inconstitucionalidade judicialmente pronunciada, pelo postulado da nulidade (quod nullum est, nullum producit effectum), implicará o reconhecimento de valor devido, a ser cobrado pela unidade federada de origem, na qualidade de exclusiva credora tributária, salvo em duas ocasiões: [a] consumação da decadência para lançamento tributário pelo ente político do estabelecimento vendedor, muito embora “montante cobrado” não signifique necessariamente lançado ou pago, para fins de nascimento e manutenção do direito ao crédito no regime não cumulativo do ICMS-Mercadorias; e [b] modulação dos efeitos, para estatuir normativos critérios, servis aos cálculos jurídicos de recorte da validade, da vigência e/ou das eficácias das normas jurídicas prescritoras de crédito presumido.
5. Considerações finais
Para além da deflagração de processos objetivos de controle de constitucionalidade, tão só remanescerá ao ente tributante de destino da mercadoria uma eventual arguição de prejuízos financeiros, econômicos ou sociais ocasionados pelo ilícito tensionamento do pacto federativo, a ser objeto de definição, liquidação e reparação nos autos de uma ação cível originária, ajuizável em detrimento do ente político de origem perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso I, alínea “f”, da CRFB/88.
Eis, pensamos nós, a proposta hermenêutica que, a um só tempo, [i] amplifica a segurança jurídica na concretização do princípio constitucional da não cumulatividade, [ii]tutela a isonomia das pessoas políticas de direito público interno e [iii]interdita a extensão de consequências em prejuízo do destinatário jurídico da mercadoria, na qualidade de contribuinte adquirente de boa-fé.
Referências
AMAYA, Jorge A. Marbury v. Madison. 5. ed. Buenos Aires: Astrea, 2017.
ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cléber. ICM – abatimento constitucional – princípio da não cumulatividade. In: Revista de Direito Tributário, nº 29-30. São Paulo: Malheiros, julho/dezembro de 1984.
BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, EDUC, 1975.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 18. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2020.
CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS. In: CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2014. p. 25-97.
FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. A extrafiscalidade como forma de concretização do princípio da redução das desigualdades regionais. 2009. 188f. Tese (Doutorado em Direito). Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Pernambuco. Recife/PE, Defendida em 16 de março de 2009.
FARIA, Luiz Alberto Gurgel de; MENDES, Tâmara Cordeiro Polo. A glosa de créditos do ICMS como forma de retaliação na guerra fiscal: uma análise acerca da recepção do art. 8º, inciso I, da LC nº 24/75 em face da Constituição Federal de 1988. In: Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, a. 15, n. 90, p. 9-60, nov./dez., 2017.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de direito constitucional brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass r. O custo dos direitos: por que a liberdade depende dos impostos. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2019.
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 14. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
MENDONÇA, Christine. A não cumulatividade do ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
MIGUEL, Luciano Garcia. A “Guerra dos Portos” e a Resolução do Senado nº 13, de 2012. In: Revista de Estudos Tributários, São Paulo, a. XV, n. 88, p. 9-23, dez. 2012.
MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Noeses, 2018.
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. 2. ed. Tradução de António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.